PJ e Finanças investigam registo do parque de
campismo de Monte Gordo
27/08/2015
Câmara de Vila Real de Santo António registou terrenos por usucapião e já
os tentou vender. Parcelas já estavam registadas mas tinham um ónus. Autarquia
foi representada na escritura pelo cabeça de lista do PSD/CDS, por Faro, às
próximas eleições.
A Direcção-Geral do Tesouro e Finanças
está a diligenciar junto do Ministério Público a adopção das medidas
necessárias para que os terrenos do Parque de Campismo de Monte Gordo não
possam ser utilizados para outro fim pela Câmara de Vila Real de Santo António.
Nos termos do decreto-lei de 1957 através do qual os terrenos em causa
foram cedidos pelo Estado ao município, a sua utilização para fins distintos
daquele implica a sua devolução ao Estado, ficando a cedência sem efeito.
A iniciativa da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) foi comunicada
no mês passado ao Movimento dos Amigos da Mata e do Ambiente (AMA), uma
associação local que no final de Maio expôs o caso à ministra das Finanças,
dando-lhe conta das sucessivas queixas que, desde 2009, apresentou àquela
direcção-geral sem obter resposta.
Paralelamente às iniciativas que emprendeu junto da DGTF, a AMA requereu ao
Ministério Público, em Junho de 2012, a instauração de procedimento criminal
contra o município de Vila Real de Santo António, com base no facto de a
autarquia ter registado em seu nome, por usucapião, as duas parcelas em causa.
De acordo com os queixosos e com a documentação — designadamente notarial e
do registo predial — que remeteram ao tribunal, a autarquia recebeu os terrenos
com o ónus da utilização exclusiva para a prática do campismo, mas registou-os
por usucapião, sem qualquer limitação de uso.
Para isso, o então vice-presidente da câmara, o independente José Carlos
Barros, declarou perante a notária, em Novembro de 2008, que as duas parcelas,
com cerca de 14 hectares, tinham sido comprados pelo município ao Estado há
mais de 50 anos e que “não é possível localizar a [respectiva] escritura
pública”.
A declaração do autarca, que actualmente preside à Assembleia Municipal de
Vila Real de Santo António e encabeça a lista do PSD/CDS às próximas eleições
legislativas, pelo círculo de Faro, consta da escritura pública de justificação
que logo a seguir serviu para registar as propriedades em nome do município,
sem qualquer ónus.
No mês seguinte, o município procedeu a um aumento de capital da empresa
municipal VRSA - Sociedade de Gestão Urbana, o qual foi realizado em espécie,
precisamente com os terrenos do parque de campismo, que foram avaliados em 38
milhões de euros. As mesmas parcelas, que se tinham tornado urbanizáveis graças
ao Plano Director Municipal em 1992, foram semanas depois, em Janeiro de 2009,
hipotecadas ao BCP a título de garantia de um empréstimo de 13,5 milhões de
euros concedido àquela empresa municipal.
Já em Outubro de 2011, a autarquia tentou vender, através da VRSA, os
mesmos terrenos em hasta pública, mas a operação acabou por não se concretizar,
segundo o presidente da câmara, Luis Gomes (líder distrital do PSD), pelo facto
de a proposta apresentada “não ser muito atractiva”.
Documentos contradizem câmara
Para viabilizar a escritura que depois serviu para registar os terrenos em seu nome, a câmara teve de apresentar uma certidão em que a Conservatória do Registo Predial garante, a seu pedid, que, feitas as buscas correspondentes, não foi encontrado qualquer registo anterior daqueles prédios (parcelas).
Para viabilizar a escritura que depois serviu para registar os terrenos em seu nome, a câmara teve de apresentar uma certidão em que a Conservatória do Registo Predial garante, a seu pedid, que, feitas as buscas correspondentes, não foi encontrado qualquer registo anterior daqueles prédios (parcelas).
O pedido da certidão, cuja cópia foi agora obtida pelo PÚBLICO, foi
entregue na conservatória em 21 de Novembro de 2008, em Vila Real de Santo
António. Nesse mesmo dia, “feitas as buscas”, a conservatória emitiu o
documento e, ainda nesse dia, este foi entregue à notária Maria do Rosário da
Costa Gomes, que o arquivou juntamente com a escritura outorgada ainda nesse
dia, a mais de 500 kms de distância, na cidade do Porto.
Na escritura pode ler-se também que os dois prédios se encontram inscritos
na matriz das Finanças a favor do município, ficando arquivada uma caderneta
predial que mostra datar de 1970 a inscrição de um deles. O número do artigo
matricial constante dessa caderneta, o 3269, não coincide, todavia, com aquele
que é identificado na escritura, o 508.
Nada disso, porém, suscitou dúvidas à notária do Porto, e também ninguém se
lembrou de perguntar ao Estado, neste caso à DGFT, que tem a tutela do respectivo
património, se por acaso não teria a escritura ou o auto de cessão das parcelas
que o município não conseguia localizar.
De igual modo, a Conservatória do Registo Predial algarvia não teve
quaisquer dúvidas em certificar a ausência de inscrição das duas parcelas.
Isto, apesar de os terrenos cedidos pelo Estado para o parque de campismo em
1957 se encontrarem inscritos nos seus livros, desde 1961, a favor e a pedido
do município, sob o número 7671 — o qual abrangia uma área superior à que foi
usada para instalar o parque e foi objecto de posteriores desanexações. Nesse
registo está claramente expresso o ónus de reversão para o Estado, caso a
parcela deixasse de servir para o campismo.
Nos arquivos da conservatória estão, aliás, diversos documentos que permitiram
a realização daqueles registos, nomeadamente o uma certidão de 1961, na qual a
câmara diz ter no arquivo da secretaria municipal o auto de cessão dos terrenos
celebrado em 17 de Outubro de 1957, entre a antiga Direcção-Geral da Fazenda
Pública e o município.
Perante estes factos, parte dos quais não eram do conhecimento da AMA, a
participação que os seus representantes dirigiram ao Ministério Público em
Junho de 2012 sustenta a tese de que as declarações de José Carlos Barros na
escritura de justificação “distorcem a verdade” e “são passíveis de
responsabilização criminal”.
Na sequência desta queixa foi aberto um inquérito judicial, actualmente a
cargo da Secção Regional de Investigação de Corrupção e Criminalidade Económica
e Financeira de Faro da Políica Judiciária, a qual nos últimos meses
desenvolveu várias diligências investigativas e inquiriu diversas pessoas.
Na resposta à queixa enviada à ministra das Finanças, a DGTF informou
também a AMA, no início deste mês, de que, além das diligências junto do
Ministério Público, vai proceder à “fiscalização das finalidades subjacentes à
cedência de terrenos (...) a favor do município” de Vila Real de Santo António.
Em 2009, um ano depois de ter registado os terrenos do parque de campismo
em seu nome, a Câmara de Vila Real de Santo António, recorreu novamente à
figura da usucapião para registar como seus os 102 hectares da Mata Nacional
das Dunas que ocupam uma faixa de 2,6 kms, situada à beira-mar entre Monte
Gordo e a sede do concelho.
Considerando que toda essa área é propriedade do Estado, a DGTF
impugnou judicialmente, logo em 2009, a sua aquisição por
usucapião por parte do município. O processo então instaurado e cujos factos
assentes e base instrutória foram estabelecidos pelo juiz em Novembro de 2011
continua, quatro anos depois, à espera de julgamento no Tribunal de Vila Real
de Santo António
Autarca diz que tudo foi tratado por uma empresa externa
Contactado pelo PÚBLICO José Carlos Barros afirma que as suas declarações perante a notária do Porto foram feitas “com base no que foi apurado pelos serviços técnicos da câmara e pela empresa contratada para o efeito”. O antigo vice-presidente da autarquia, arquitecto de profissão, acrescenta: “Não inventei nem fiz investigação. E, obviamente, nada me leva a pôr em causa o profissionalismo e a seriedade de quem realizou esse trabalho.”
José Carlos Barros garante que a escritura foi feita no Porto, a mais de
500 kms da sede do município, porque os notários algarvios não tinham
disponibilidade para a fazer com urgência. Uma outra razão, salienta, prende-se
como facto de a empresa contratada para tratar do registo de todo o património
municipal até ao final daquele ano — a Abílio Figueiredo Marques Ldª, dirigida
por um antigo director distrital de Finanças — ter sede naquela cidade.
A obrigação de fazer os registos até ao final do ano, assegura, resultava
de uma imposição legal constante do Plano Oficial de Contabilidade da
Administração Local. Essa obrigação, todavia, existia desde a publicação
daquele plano, em 1999.
José Carlos Barros nega, por outro lado, que a urgência da escritura e do
registo por usucapião tivesse como objectivo criar as condições necessárias
para que o município pudesse obter um empréstimo bancário de 13,5 milhões de
euros, mediante a hipoteca dos terrenos. “O que estava em causa era dar
cumprimento a um preceito legal”, insiste.
Não gosto deles, mas temos que dar-lhes o beneficio da dúvida e esperar "serenamente" que a Justiça faça o seu curso.
ResponderEliminarComeçam a aparecer, investiguem e vão ter mais surpresas.Os ratos começam a abandonar o barco
ResponderEliminarO autor do comentário de 27 de Agosto de 2015 às 22:14, diz e reproduzo: mas temos que dar-lhes o benefício da dúvida e esperar “serenamente” que a justiça faça o seu curso.
ResponderEliminarNum Estado de Direito é assim que as coisas se devem passar, o que não impede que o cidadão comum, em presença dos dados conhecidos, possa fazer um juízo sobre a legalidade ou ilegalidade de uma determinada situação.
Vejamos no caso em apreço quais os dados que são do conhecimento público:
1 – Os representantes da câmara dizem (em 2008) que os terrenos foram adquiridos ao Estado há mais de 50 anos, mas que a escritura se perdeu e que não há registo da referida compra na Conservatória do Registo Predial de VRSA.
2 – Não é feita qualquer referência a que se tenha procurado nos serviços do Estado, nomeadamente na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, responsável pelo património do Estado, a confirmação da aquisição.
3 – Apresentam uma escritura de justificação notarial realizada num cartório do Porto, que curiosamente não refere a notificação prévia do titular inscrito, como exigido pelo art.º 99.º do Código do Notariado, e assim sendo e ainda de acordo com este artigo, a escritura não pode ser lavrada, pelo que a apresentada é nula.
4 – E a tomada de posse dos terrenos feita com suporte numa escritura de justificação nula é, naturalmente, nula.
5 – Mas não é só nula por esta razão. A AMA provou que não houve uma aquisição pela câmara, mas uma cedência pelo Estado, cedência condicionada à sua utilização como parque de campismo, regressando à posse do Estado se deixar de ser utilizado para este efeito. É o que diz o art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 41311 de 8 de Outubro de 1957, Decreto-Lei que oficializa a cedência.
6 – E esta cedência foi registada pela câmara, repito, foi registada pela câmara na Conservatória do Registo Predial de VRSA, em 27 de Abril de 1961.
7 – Encontra-se neste blogue cópia deste registo.
8 – Face ao anteriormente exposto, qualquer pessoa normal conclui que a tomada de posse do terreno por usucapião, é ilegal.
9 – Se a justiça decidir que a tomada de posse é legal, não ficarei surpreendido, pois segundo as frequentes sondagens do semanário de referência “EXPRESSO”, os cidadãos têm do poder judicial (juízes e procuradores) uma opinião negativa, o que vem dar razão a quem considera que não vivemos num Estado de Direito, mas no estado a que isto chegou.
Pela reportagem não encomendada, feita de forma de forma séria e isenta, percebe-se facilmente, que a câmara de VRSA, agiu de forma ilegal e com má fé.
ResponderEliminarComo pode esta entidade do poder local, fiscalizar a actividade dos munícipes? se ela actua de forma ilegal, quando faz registos de terrenos, para fazer aumentar o património municipal em cerca de 45 milhões de euros e desta forma poder endividar-se junto da banca, dando como garantis terrenos do Parque de Campismo.
A desculpa e que a empresa tratou de tudo, é conversa da TRETA, que não convence nenhum cidadão minimamente informado, quanto mais os juízes.
As testemunhas deste acto ilegal, deviam informar-se das possíveis consequências, pois quando assinaram, foram alertados da consequências, se confirmassem declarações falsas.
O Sr. Arq. Carlos Barros contactado pelo jornal Público, afirma que as suas declarações perante a notária do Porto foram feitas “com base no que foi apurado pelos serviços técnicos da câmara e pela empresa contratada para o efeito”.
ResponderEliminarÉ surpreendente que uma pessoa inteligente como é o Sr. Arquitecto, aceite como boa a justificação que diz ter sido apurada pelos técnicos e pela empresa contratada, e a utilize num acto de tanta responsabilidade como é o lavrar de uma escritura de justificação notarial, onde deve constar, e na escritura lavrada no Porto consta, a advertência feita obrigatoriamente pela notária, a que se refere o art.º 97.º do Código do Notariado, que consigna que os outorgantes são advertidos de que incorrem em penas aplicáveis ao crime de falsas declarações se, dolosamente e em prejuízo de outrem, tiverem prestado ou confirmado declarações falsas.
E bastaria ao Sr. Arquitecto constatar que a informação que os técnicos e a empresa lhe deram, e que constituiu o seu testemunho no notário, omite a busca de registo da aquisição, na entidade responsável pelo património imobiliário do Estado, que é actualmente a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.
Nega o Sr. Arquitecto por outro lado, que a urgência da escritura e do registo por usucapião tivesse como objectivo criar as condições necessárias para que o município pudesse obter um empréstimo bancário de 13,5 milhões de euros, mediante a hipoteca dos terrenos, insistindo que “o que estava em causa era dar cumprimento a um preceito legal” que obriga a fazer os registos até ao final do ano, obrigação resultante de uma imposição legal constante do Plano Oficial de Contabilidade da Administração Local, cuja publicação, segundo o Público, remonta a 1999.
Acontece que a tomada de posse ilegal por usucapião dos terrenos da Ponta da Areia e cujo processo aguarda decisão jurídica, teve lugar no fim de Setembro de 2009, isto é, dez meses depois da tomada de posse ilegal dos terrenos do parque de campismo, o que prova que não havia a urgência referida pelo Sr. Arquitecto.
Finalmente e com relação ao empréstimo bancário de 13,5 milhões de euros, vou dar conhecimento da cronologia dos acontecimentos, e cada leitor que conclua se houve ou não relação entre a urgência da escritura e o registo por usucapião, e o empréstimo bancário.
A cronologia foi a seguinte:
a) Em 21 de Novembro de 2008 foi lavrada a escritura de justificação notarial num cartório do Porto.
b) Em Dezembro de 2008 foi aprovado pela Câmara e pela Assembleia Municipal, o aumento de capital em espécie, da empresa municipal SGU, utilizando para o efeito, os terrenos do parque de campismo.
c) No princípio de Janeiro de 2009 foi registada na Conservatória do Registo Predial de VRSA, uma hipoteca sobre os terrenos do parque de campismo, referente ao empréstimo bancário indicado acima.