O Jornal Público trouxe esta reportagem sobre Monte Gordo e as peripécias camarárias com terrenos públicos, coisa já várias vezes denunciadas neste blogue. Nada de novo, portanto. Deveria é ser estabelecido um prémio quando houver uma obra camarária que não levante objecções e cumpra todas as regras e disposições legais.
AMA
Câmara de Vila
Real de Sto António vende terreno para hotel em cima da praia de Monte Gordo
Colado à praia de Monte Gordo, vai surgir um hotel numa zona que estava
destinada ao desporto e lazer. Na faixa do lado nascente, mais dois
empreendimentos turísticos estão previstos
5 de
Fevereiro de 2017
A
construção de um hotel de quatro pisos, colado às dunas da praia de Monte
Gordo, é uma das obras incluídas no pacote dos projectos de requalificação
desta zona balnear. O lote, uma área de 6.376 metros quadrados não urbanizável,
foi vendido pela câmara de Vila Real de Stº António a uma cadeia hoteleira por
3,6 milhões de euros. A par desta operação urbanística, a autarquia avança já a
partir de amanhã com a construção de um passadiço pedonal sobrelevado com dois
quilómetros de extensão, que vai custar um milhão de euros, financiado em 85%
com fundos comunitários.
Do outro
lado da Avenida Infante D. Henrique, onde pontuam prédios de diferentes formas
e alturas, surgem vozes de protesto. Mais de 60 condóminos, proprietários do
edifício “Rosa dos Ventos”, de nove pisos, vão avançar com uma providência
cautelar destinada a impedir a construção da nova unidade hoteleira. Em causa,
alegam, estará a violação do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC)
Vilamoura-Vila Real de Stº António. Neste documento, afirmam, o que se
preconiza é a “requalificação do passeio marginal, não a construção de mais prédios”.
A nova
unidade hoteleira vai surgir a 15 metros de distância da praia, no espaço que é
ocupado, actualmente, por dois courts de ténis municipais, um polidesportivo
descoberto e um bar da associação dos mariscadores. De acordo com a proposta de
requalificação, apresentada pelo município, depois destas instalações serem
demolidas os desportistas passarão a utilizar os courts de ténis do parque de
campismo. O apoio de praia dos mariscadores será deslocalizado e no seu lugar
está projectada a construção da piscina do hotel.
António
Melo, proprietário de um apartamento T1, no 6º piso do edifício “Rosa dos
Ventos”, admite o logro em que caiu quando, em 1993, ali comprou casa de
férias: “Para ficar com vista para a praia e mar, exigiram-me mais 12.500 euros
do valor que me custaria um outro apartamento, no mesmo prédio, sem esse
privilégio”. Decepcionado com as perspectivas que se desenham, protestou junto
da câmara e da assembleia municipal. “Na vida, tudo muda”, disseram-lhe. No que
lhe diz respeito, admite que possa continuar a ver o mar (só lhe tapam a vista
para a praia). Porém, os vizinhos dos andares inferiores, diz, vão ficar a
olhar para as traseiras do novo hotel.
Monte
Gordo, ao invés do que se passa noutros sítios da costa algarvia, aumentou a extensão
da praia nos últimos anos. A acumulação das areias deveu-se ao efeito das
correntes marítimas que transportam os sedimentos, e ali são depositados,
vindos de poente para nascente.
Até
meados da década de 40, quase toda a frente de mar desta zona balnear ainda
estava integrada no Domínio Público Marítimo. Mais tarde, com a evolução do
turismo, a autarquia viria a integrar uma parcela significativa da frente de
mar no Domínio Público Municipal (DPM). Já no mandato dos executivos dirigidos
pelo social-democrata Luís Gomes, em 2010, foi aprovada uma proposta subscrita
pela então vice-presidente da câmara José Carlos Barros para que fosse
desafectada do DPM uma parcela de 72.070 metros quadrados. O terreno,
justificou, destinava-se a ser cedido, por concurso público, a “um parceiro
privado”, constituindo a base da criação de uma sociedade anónima de capitais
mistos para a concessão e exploração de uma parque de estacionamento público
coberto. Mas afinal, um desses lotes foi vendido, por concurso público, ao
grupo Hoti Hotéis com o objectivo de implantar uma unidade hoteleira que pode
chegar aos 8 mil metros quadrados de construção.
Segundo
o POOC [Unidade Operativa do Plano de Gestão (UOPG IX), artigo 89], o que se
prevê para esta zona é uma área de estacionamento “com vista a aliviar o espaço
envolvente à praia, o qual pode ser enterrado”, bem como a “requalificação do
passeio marginal através da introdução de mobiliário e vegetação adequada”. O
presidente da câmara, Luís Gomes, salienta: “Está previsto, também, uma zona
para construir uma unidade hoteleira, razão pela qual foi possível elaborar um
plano, que recebeu o apoio favorável da Agência Portuguesa do Ambiente (APA)”.
Na faixa nascente de Monte Gordo, prevê-se ainda a construção de mais dois
empreendimentos turísticos.
Por
outro lado, o Plano Director Municipal (PDM), aprovado e publicado em 1992, mas
já com quase uma dezena de alterações, define aquela área como sendo destinada
ao desporto, recreio e lazer. “A decisão de vender um lote de terreno para
construir um hotel, numa zona não prevista para o efeito, é ilegal”, diz
Feliciano Gutierres, membro do Grupo de Amigos da Mata e do Ambiente (AMA),
acrescentando que já denunciou a situação junto da câmara municipal, não tendo
obtido resposta. A Polícia Judiciária de Faro, apurou o PÚBLICO, tem um curso
uma investigação sobre este caso.
Eduardo
Veríssimo, outro dos proprietários do edifício “Rosa dos Ventos”, contesta a
forma como o município está a usar o espaço público para servir interesses
privados. “Vamos [condóminos] interpor uma providência cautelar para tentar
travar a construção do hotel, exigindo a reposição da legalidade”, diz. Os
instrumentos de ordenamento do território, sublinha, “não permitem a transacção
que foi feita para fins urbanísticos”. Feliciano Gutierres acrescenta: “Pedimos
o acesso aos documentos relacionados com o destaque da parcela e foi-nos
negado”. O município, questionado pelo PÚBLICO, informou, através do gabinete
de imprensa: “Dentro das regras de transparência, está tudo publicado na página
digital da câmara”.
Direitos adquiridos
Os
concessionários dos apoios de praia, à semelhança do que sucedeu na praia da
Rocha (Portimão), vão ter direito a ficar com as licenças para novos
estabelecimentos, sem necessidade de se submeterem a concurso público. Desde
que tenham cumpridos as suas obrigações para com a Agência Portuguesa do
Ambiente (APA), só ficam obrigados a demolir os actuais estruturas e a pagar a
construção dos novos equipamentos, seguindo as regras do POOC. Em princípio, a
operação de desmantelamento das estruturas estava agendada para se iniciar por
estes dias mas a operação foi adiada para 15 de Outubro. Os empresários pediram
para que as demolições só se realizassem no Outono, com a justificação de que
não tinham meios para fazer as obras a tempo de responder aos fluxos turísticos
previstos para a próxima época balnear. A câmara municipal e a Agência
Portuguesa de Ambiente (APA) aceitaram a proposta.
Na
primeira versão do POOC, publicado em 2005, estava previsto que seriam
contemplados apenas oito estabelecimentos na praia de Monte Gordo. No entanto,
uma alteração ao documento, efectuada no ano passado, alargou para 18 o número
de unidades, contemplando todos os presentes.
“Não me
vou candidatar, porque não tenho dinheiro”, diz Maria Silvina Viegas, dona de
um estabelecimento de exploração familiar. “Sou eu e as milhas três filhas que
aqui trabalhamos, não ganhamos para pagar os impostos, muito menos para fazer
investimentos avultados”, queixa-se. António Calvinho, proprietário do
“Cruzeiro”, elogia a proposta de requalificação da zona balnear. “A praia de
Monte Gordo estava a precisar de ser renovada”, sublinha.
Um dos
aspectos menos visíveis da degradação ambiental relaciona-se com os esgotos dos
bares e restaurantes, a drenar para fossas sépticas, construídas na areia. De
futuro, os estabelecimentos ficarão ligados à rede pública de águas residuais.
A
construção de um apoio de praia tem um custo que varia entre os 75 mil e os 200
mil euros. “Vamos ainda ver se vai haverá algum apoio”, observa António
Calvinho, confiante que os fundos comunitários possam vir a ser alargados aos
privados.
A
câmara, num comunicado divulgado à imprensa, deu notícias de sinal contrário:
“Inicialmente eram os proprietários dos bares e restaurantes que teriam de
pagar o passadiço, de acordo com a legislação em vigor”. A obra acabou por ser
suportada pela autarquia, com a ajuda de fundos comunitários na ordem dos 85% a
90%, “poupando a cada concessionário cerca de 70 mil euros”, acrescenta.
A praia dos
portugueses
Monte
Gordo, no Verão, é um dos destinos turísticos preferidos pelos portugueses,
atraídos, principalmente, pela temperatura da água e a extensão do areal. Mas,
quando se fala de praia em tempo de Inverno, esta zona também se encontra na
linha da frente. “Vim há uma semana da Frankfurt, apanhei 25 graus negativos –
chego aqui, encontro alemães apanhar banhos de sol”. Diamantino Duarte é um dos
muitos portugueses, reformados, que aproveita a época baixa para gozar férias
no Algarve, onde comprou apartamento. “Não percebo é a falta de casas de banho
públicas- espero que não se esqueçam disso, agora que vão fazer obras”, sugere.
José Pegas, dono de um quiosque à entrada da praia, convida a dar uma olhadela
para o lado nascente, e observar a degradação dos espaços verdes e
desordenamento. Um apart-hotel, com 16 pisos, destaca-se na paisagem. Mais à
frente, em direcção ao mar, lá está o hotel “Dunas Mar”, implantado nas dunas,
como se tivesse ali caído do céu.
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