DIA DA TERRA
Quantos mais
Dias da Terra serão precisos?
Hoje, a semente lançada pelo primeiro Dia da Terra, há 50 anos, é já uma
árvore corpulenta de respeitados movimentos ambientalistas. E sabemos algo de
muito claro: ou mudamos radicalmente agora, ou sofreremos um ponto de não
retorno daqui a 12 anos.
Maria Amélia Martins-Loução
A “nossa” casa
está a arder
Se nada se fizer para repor a biodiversidade, não será com a redução de
emissão de gases com efeito de estufa que se consegue limitar o “fogo lento” em
que o planeta se encontra.
22 de Abril
de 2019
Em 1666, Anne Bradstreet escreveu um poema célebre
“Sobre o incêndio da nossa casa”, que mostra a tensão da poetisa entre o apego
às coisas terrenas e a consciência da sua vaidade. Numa noite o fogo fez em
cinzas todos os seus pertences e apercebe-se de que não há preço que pague o
que perdeu. São inúmeras as odes, as canções, os discursos, que usam esta
metáfora como chamada de atenção para o estado da “nossa” casa, o planeta
Terra. De que forma a ciência deve colocar as suas preocupações sobre a perda
de biodiversidade, a alteração e adulteração dos ecossistemas, para definir
agendas de investigação e aconselhar políticas? Infelizmente, a informação
sobre os riscos desta destruição não tem gerado tanto impacte na opinião
pública quanto as alterações climáticas. Não é por falta de estudos científicos, nem de reportagens, mas antes de
transmitir a necessidade de valorizar o que a natureza nos dá. O problema é que
a sociedade, cada vez mais urbana, vive refém da comodidade de uma certa
qualidade de vida e sente mais as variações meteorológicas do que a falta desta ou daquela espécie.
Após a Segunda
Grande Guerra e com a necessidade de reconstruir e investir no desenvolvimento,
a pesca, desflorestação, produção agrícola, colheita, uso e abuso de produtos
químicos, para acelerar os processos, causaram – e causam – inúmeros problemas
ambientais. Ao longo destes anos e em prol do poder económico, aumento de
riqueza, necessidade de alimento para uma crescente população, foram-se
alterando paisagens, uniformizando culturas, exterminando espécies, em
particular predadores de topo, tanto nos ecossistemas terrestres como marinhos.
São vários os artigos que mostram as consequências que a perda de
biodiversidade tem para a estabilidade dos ecossistemas e para os serviços que
suporta.
Um desses serviços é a regulação climática, pouco
falada e compreendida pela população e políticos. Pelo contrário, as políticas
energéticas, para reduzir a emissão de gases com efeitos de estufa, são
apresentadas como medidas de mitigação das alterações climáticas, que afectam a
biodiversidade. Esquece-se que foi a perda contínua de diversidade que tornou o
planeta menos resiliente às alterações climáticas. O aumento de gases na
atmosfera veio apenas potenciar o que já se esperava, a falta de resposta
adaptativa de sistemas humanizados, uniformizados e com baixa diversidade. Se
nada se fizer para repor a biodiversidade, não será com a redução de emissão de
gases que se consegue limitar o “fogo lento” em que o
planeta se encontra.
É ilusório pensar que
o Homem, detentor de uma elevada capacidade tecnológica e inteligência
artificial, tem capacidade para mimetizar a natureza. Desconhece-se que muitas
das interacções presentes entre organismos ainda não são conhecidas ou
compreendidas
Uma das melhores medidas a implementar é incentivar a
capacidade de retenção de gases através do aumento de área florestal
heterogénea e da diversificação de ecossistemas. Não é por acaso que as Nações
Unidas declararam 2020-2030 como a década para a restauração dos ecossistemas.
Com esta estratégia, a biodiversidade pode ser reposta e os ecossistemas podem
funcionar como tampões das alterações que os gases com efeito de estufa têm
vindo a causar. É tempo de compreender que a melhor solução para combater a
alteração climática é recuperar habitats terrestres e marinhos.
É ilusório pensar que os seres humanos, detentores de
uma elevada capacidade tecnológica e inteligência artificial, têm capacidade
para mimetizar a natureza. Desconhece-se que muitas das interacções presentes
entre organismos ainda não são conhecidas ou compreendidas. Na natureza os
sistemas são abertos, estabelecem-se redes, antagonismos ou dependências entre
diferentes espécies, microrganismos do solo, plantas, animais, de acordo com os
factores a que estão sujeitos. Umas vezes interagem, outras estabelecem
ligações simbióticas duradouras e unas, como o caso dos líquenes ou dos corais.
As doenças crónicas, as pragas, as epidemias que hoje se sentem não são mais do
que o resultado das alterações e da uniformidade que se construiu. Antes, as
paisagens eram heterocromáticas, heterogéneas, em forma e estrutura. Hoje, mais
parecem paradas militares, todas alinhadas, certas, uniformes, controladas pela
tecnologia e pela inteligência artificial que avalia a produção económica.
Os resultados da investigação dos ecólogos têm
mostrado que as ligações entre diferentes espécies em habitats contíguos
asseguram as funções e repõem os serviços dos ecossistemas. Daí a insistência
em repor e implementar a diversidade e preservação de sistemas
agro-silvopastoris, que sempre trouxeram a resiliência aos ecossistemas
mediterrânicos. No entanto, os ecólogos têm de saber cativar a atenção dos
jornalistas, mostrando a utilidade em saber ler e entender os sinais da
natureza. Certos temas, como o caso das abelhas e polinizadores, têm sido
visíveis e atractivos. Mas esta associação entre cientistas e jornalistas
necessita ser fortalecida, com ou sem casos emblemáticos. Só assim pode ser
possível consciencializar a sociedade e os decisores políticos que a
sustentabilidade do planeta Terra depende da salvaguarda dos ecossistemas
naturais e da biodiversidade que eles encerram.
Bióloga, professora catedrática da Universidade de Lisboa; presidente da
Sociedade Portuguesa de Ecologia
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