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ETA, o fim
O terror da
ETA foi, em todo o caso, o pretexto ideal para o terror do Estado.
5 de Maio de
2018 MANUEL LOFF
Sete anos depois da sua declaração unilateral de "fim definitivo da
violência armada", a ETA dissolveu-se. Nascida em 1959 entre os filhos da
Guerra Civil espanhola (1936-39), em meios católicos nacionalistas, os seus
fundadores fizeram a trajetória comum a muitos católicos progressistas e a
grande parte da esquerda de origem não marxista dos anos 60: entre o Vaticano
II e o anticolonialismo triunfante, revoltaram-se contra a cumplicidade da
hierarquia católica com o Franquismo e levantaram a bandeira do direito à
autodeterminação; a repressão ajudou a que assumissem a opção armada, de
inspiração guevarista e/ou maoísta, rompendo com o nacionalismo basco histórico
e rejeitando juntar-se ao PCE e às Comisiones Obreras que
então mobilizavam o pulmão industrial do País Basco. Quando a ETA mata, em
1968, o torturador Melitón Manzanas e, em 1973, o chefe do governo de Franco,
Carrero Blanco, toda a oposição democrática espanhola se sentiu vingada. Mas
quando a crise do regime franquista abriu portas à transição pós-autoritária,
que restaurou a autonomia do País Basco espanhol e de Navarra, tudo mudou. Ou
deveria ter mudado.
As duas fações em que se dividiu em 1974 (ETA Militar e ETA
Político-Militar) rejeitaram a amnistia de 1977 e prosseguiram a luta armada:
das 829 vítimas mortais da ETA, 37% correspondem aos anos da transição e apenas
9% ao período franquista. A ETA(pm) acabaria por abandonar as armas nos anos 80
e a maioria dos seus membros entrou no PSOE. Pelo seu lado, a ETA(m) continuou
a matar enquanto a Espanha vivia sob a ameaça golpista de militares e polícias
que não foram democratizadas e cujos crimes nunca foram julgados, e onde os
governos (da UCD e do PSOE) não hesitaram em usar a guerra suja contra
uma parte da esquerda basca através de organizações como o Batallón
Vascoespañolou os GAL, matando 67 pessoas.
Se alguém esperava que a chegada dos socialistas ao poder pudesse contribuir
para a paz no País Basco – o PSOE havia chegado à transição com um projeto
federal para a Espanha a que renunciaram –, a realidade foi a oposta. Os
governos de Felipe González (1982-96) lançaram-se abertamente na guerra
suja, recrutando, entre outros, mercenários em Portugal, com a evidente
cumplicidade das nossas autoridades, para disparar contra exilados bascos em
França (homenagem a Celestino Amaral e a Joaquim Vieira pela investigação que
então levaram a cabo no Expresso). Pelo seu lado, a ETA(m) entrou
na mais alucinada campanha de terror, matando civis no Hipercor de
Barcelona (1987) ou reclamando aquilo a que chamou a "socialização do
sofrimento": quanto mais difícil se lhe tornava atentar contra polícias e
militares, mais passou a atacar dirigentes políticos e simples vereadores
municipais. O terror da ETA foi, em todo o caso, o pretexto ideal para o terror
do Estado: guerra suja, tortura nas prisões, criminalização/ilegalização de
partidos políticos, associações, escolas, órgãos de imprensa...
O 11 de Setembro e os massacres salafistas de 11 de março de 2004 em Madrid
(que Aznar, a três dias de eleições, procurou desesperadamente atribuir à ETA)
vieram mudar de forma muito evidente a perceção social da (i)legitimidade da
violência política e marcaram definitivamente a cisão entre o mundo social da
esquerda abertzale onde a ETA tinha nascido e a opção desta
pela violência. Em 2011, a ETA declara o fim da luta armada e inicia um
estranho processo de paz (desarmamento unilateral em 2017, pedido de perdão no
mês passado, e agora autodissolução), verificado por grupos internacionais (de
que fazem parte, entre outros, Chris Maccabe, um dos negociadores britânicos do
acordo de paz para a Irlanda do Norte); os governos espanhol e francês
recusam-se, contudo, negociar termos semelhantes aos que aceitaram britânicos e
colombianos, por exemplo.
Num contexto agudizado pelo movimento independentista catalão, poder
político (governo do PP, Ciudadanos, PSOE), maioria dos media e
organizações de representação das vítimas criadas à sombra do PP escolheram uma
velha via que os espanhóis tragicamente conheceram sob os anos do Franquismo:
vitória e vingança. Para Ramón Zallo (um académico que foi assessor do Governo
basco), "os aparelhos do Estado espanhol", face à dissolução da ETA,
têm asumido atitudes "provocadoras, indignas e estúpidas, [como se
quisessem] o surgimento [de sequelas da ETA]". Para ele, "a pergunta
a que cada um deverá responder sobre o passado é se esteve à altura das
circunstâncias face ao franquismo e à Transição, face à ETA e aos seus
desmandos, face ao terrorismo de Estado, e face a um Estado involucionista,
centralista, antissocial e repressivo". (Deia, 3.5.2018)
Historiador
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