10 dezembro 2011

GUADIANA

De vez em quando o Guadiana vem nos jornais, quase sempre por más razões. Parece que está em discussão pública um plano (mais um digo eu), para a gestão hidrográfica do Guadiana. 
O relatório técnico elaborado sobre este plano expressa várias preocupações em relação à qualidade da água que, afirma, é uma ameaça para a saúde pública.
As medidas de salvaguarda e protecção ambiental obrigatórias não têm sido aplicadas. A actividade agrícola, recreativa e turística no Alqueva e não só, assim como as cargas vindas de Espanha invadem as águas de azoto,fósforo, nitratos e potássio, com reflexos também na fauna e na flora do rio.
O Parque Internacional do Baixo Guadiana não anda nem desanda, o desassoreamento da barra e as necessárias medidas para uma boa navegabilidade marcam passo ou andam às arrecuas etc.
O tempo passa e parece que tudo o que se aponta para o Guadiana acaba por afogar-se nas suas águas.
Há anos escrevi no Jornal do Algarve uma nota sobre o Guadiana que, no fundamental continua actual, a meu ver e por isso a repito aqui.



NOTA CHARINGADA
GUADIANA
RIO ESQUECIDO E MAL AMADO




É positivo que nos últimos meses se venha falando do Guadiana, um rio esquecido há séculos.
O velho Uadiana, depois Odiana até ao séc. XVI, espanholado com o Guadi após essa data, rio de fronteira que divide e não aproxima, raia de hostilidades e desconfiança, de castelos eriçados em ambas as margens, de emigração e contrabando, rio de periferia da já periférica Ibéria, teve a má sina de escolher um trajecto numa das zonas mais pobres e desertificadas e das zonas com mais fraca pluviosidade.
Junto aos rios, fonte de vida, nasceram vilas e cidades que os valorizavam e se valorizavam por eles. O Guadiana não teve essa sorte, tirando Badajoz que fica lá para cima, não cresceu nenhuma grande cidade no seu percurso final, nem de um lado nem do outro.
Vila Real de Santo António e Ayamonte não têm peso político para dar ao rio a dignidade que merece no presente, nem poder económico, político e eleitoral para lhe preparar um futuro radioso.
Alcoutim e Sanlucar muito menos, esperam e desesperam por uma ponte sempre adiada que nunca mais chega e que lhes poderia dar algum dinamismo e desafogo.
Salazar e Franco desprezavam este “faroeste” politicamente duvidoso, e nem a democracia lhe rompeu a sonolência.
O Marquês de Pombal foi o único que teve o lampejo de perceber a importância desta zona turbulenta para o sua filosofia racionalista e lançou uma cidade em 1774, finalizada no seu essencial em 1776, mas não teve tempo para a continuar a obra dado que em 1777 foi exilado para Pombal.
Séculos de inércia preservaram ambientalmente as suas margens, hoje uma situação rara na Europa, a qual pode ser a garantia do seu futuro se houver inteligência e sensibilidade para desenvolver de forma sustentada tal tesouro.
Multiplicam-se os programas (e a burocracia), quase todos começam por um P, é o Provere, o Proder, o Pidr, o Prot, o Peag, o Polis, o Protalgarve, o Potcep, o Âncoras do Guadiana etc., por onde uma pessoa se perde e enreda, e não se percebe afinal o que se pretende para além de pequenos remendos aqui e acolá.
O que se presente é uma vontade de invadir ad hoc o que está por enquanto preservado para negócios de lucro fácil e rápido.
Falta, no nosso entender, é um programa global para o Guadiana e suas margens, tendo como centro este grande rio. Afinal o que é que a Ibéria pensa e quer para o seu rio? Que vontade política existe para sentar à mesa Portugal e Espanha para definirem de uma vez uma perspectiva de desenvolvimento para esta zona transfronteiriça desertificada que lhe dê esperança e futuro?
Quem neste Algarve politicamente fragmentado tem força para obrigar Lisboa a olhar e ver que existe uma realidade outra que não as praias, hotéis e resorts?
Finalizando pela positiva existe um trabalho feito por jovens investigadores da UALG que tentam coordenar todo este caos e dar perspectiva e consistência de gestão integrada a esta casa desarrumada. Oxalá tenham êxito.
Martins Coelho 



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